Era uma pequena aldeia da freguesia de São João do Campo, situada no extremo nordeste do concelho de Terras de Bouro, distrito de Braga, na Peneda-Gerês,
vizinha de Espanha.
A sua origem perde-se na bruma dos tempos. Segundo uma tradição oral, contada pelos mais antigos, teria começado a sua existência por ocasião da abertura da célebre estrada da Geira, que de Braga se dirigia a Astorga, num percurso de 240 Kms, e dali a Roma. Estaríamos, segundo a opinião mais provável, pelos anos de 70 da nossa era.
E é possível que alguns dos traços da maneira de viver do povo de Vilarinho se filiassem na cultura dos povos pastores e ganadeiros indo-europeus, provavelmente lá introduzidos por migrações pré-romanas e reforçados pelas invasões suevas.
Passado obscuro, quase sem história, é o passado de Vilarinho da Furna. Não fosse a sua riqueza etnográfica e a construção da barragem que pôs termo à sua existência e Vilarinho da Furna seria hoje uma aldeia esquecida, anónima como o seu passado,
qual pérola perdida na vastidão das serras do Minho.
Engastada entre montanhas, sem outros horizontes que não fossem os píncaros da serra erguidos para o céu azul, Vilarinho era, no dizer de Orlando Ribeiro, “uma «espécie» de ilha da Ribeira no oceano revolto das agrestes montanhas graníticas”.
Manuel Antunes.
Gerês, 6 de Agosto de 1968 — Derradeira visita à aldeia de Vilarinho da Furna, em vésperas de ser alagada, como tantas da região. Primeiro, o Estado, através dos Serviços Florestais, espoliou estes povos pastoris do espaço montanhês de que necessitavam para manter os rebanhos, de onde tiravam o melhor da alimentação — o leite, o queijo e a carne — e alicerçavam a economia — a lã, as crias e as peles; depois, o super-Estado, o capitalismo, transformou-lhes as várzeas de cultivo em albufeiras — ponto final das suas possibilidades de vida. E assim, progressivamente, foram riscados do mapa alguns dos últimos núcleos comunitários do país. Conhecê-los, era rememorar todo um caminho penoso de esforço gregário do bicho antropóide, desde que ergueu as mãos do chão e chegou a pessoa, os instintos agressivos transformados paulatinamente em boas maneiras de trato e colaboração. Talvez que o testemunho de uma urbanidade tão dignamente conseguida, com a correspondente cultura que ela implica, não interesse a uma época que prefere convívios de arregimentação embrutecida e produtiva, e dispõe de meios rápidos e eficientes para os conseguir, desde a lavagem do cérebro aos campos de concentração. Mas eu ainda sou pela ordem voluntária no ócio e no trabalho, por uma disciplina cívica consentida e prestante, a que os heréticos chamam democracia de rosto humano. De maneira que gostava de ir de vez em quando até Vilarinho presenciar a harmonia social em pleno funcionamento, sem polícias fardados ou à paisana. Dava-me contentamento ver a lei moral a pulsar quente e consciente nos corações, e a entreajuda espontânea a produzir os seus frutos. Regressava de lá com um pouco mais de esperança nos outros e em mim.
Do esfacelamento interior que vai sofrer aquela gente, desenraizada no mundo, com todas as amarras afectivas cortadas, sem mortos no cemitério para chorar e lajes afeiçoadas aos pés para caminhar, já nem falo. Quem me entenderia?
(Miguel Torga, Diário XI).
Museu Etnográfico
de Vilarinho da Furna
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Portugal
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