Viam a luz nas palhas de um curral,
Criavam-se na serra a guardar gado.
À rabiça do arado,
A perseguir a sombra nas lavras,
aprendiam a ler
O alfabeto do suor honrado.
Até que se cansavam
De tudo o que sabiam,
E, gratos, recebiam
Sete palmos de paz num cemitério
E visitas e flores no dia de finados.
Mas, de repente, um muro de cimento
Interrompeu o canto
De um rio que corria
Nos ouvidos de todos.
E um Letes de silêncio represado
Cobre de esquecimento
Esse mundo sagrado
Onde a vida era um rito demorado
E a morte um segundo nascimento.

Miguel Torga 

Barragem de Vilarinho da Furna
18 de Julho de 1976

Margot Dias, Miguel Torga, Andrée Rocha, Jorge Dias, José Fecha,
algures nos Montes de Vilarinho da Furna
(Fonte: Clara Rocha, Miguel Torga – Fotobiografia, Dom Quixote, Lisboa, 2000, p. 103)  
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Manuel Antunes

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